Hy Brazil, de Daniel Jablonski: a cartografia do engano - Janaina Torres

São Paulo Brasil

Hy Brazil, de Daniel Jablonski: a cartografia do engano

17 de abril de 2020 | 17:07
Hy Brazil, de Daniel Jablonski: conjunto de trabalhos sobre um fantasma, uma ficção, um mito e um erro, a Ilha do Brasil
Hy Brazil, de Daniel Jablonski: conjunto de trabalhos sobre um fantasma, uma ficção, um mito e um erro, a Ilha do Brasil

Hy Brazil, de Daniel Jablonski, é uma investigação sobre o erro, o engano e a ilusão. Em um conjunto de cinco obras, Jablonski toma por objeto uma ilha fantasma chamada “Brazil” (ou Hy Bressail, O’Brazil, Bracil, Bracir etc.) muito antes da descoberta das Américas. Situada próxima à costa da Irlanda, a Ilha do Brasil esteve presente em praticamente todos os mapas náuticos de 1325 a 1870, até ser finalmente descartada pela cartografia moderna. Nesse meio tempo, ocupou um lugar privilegiado no imaginário da era das navegações – na literatura, na escolástica, na mitologia e mesmo na ufologia – como um lugar maravilhoso, porém inalcançável.

Ao traçar uma verdadeira cartografia do engano, Hy Brazil aponta para além da simples homonímia com o país sul-americano. Pois, quando visto de longe, de fora ou de cima, o Brasil não parece ser mais do que essa ilha deserta à espera de um colonizador, esse significante virgem no aguardo de um discurso redentor.

Sua existência concreta – com sua história, sua geografia e sua cultura próprias – nada muda em relação a seu estatuto essencialmente fantasmagórico. Afinal, hoje como ontem, realidade nenhuma jamais impediu que florescessem e proliferassem por aqui os mais selvagens fantasmas do desejo e do inconsciente. Metáfora vazia, diz Malachy Tallack, “Hy Brazil é um fantasma, uma ficção, um mito e um erro. É tudo isso e, no final, não é nada”.

O projeto Hy Brazil seria exibido no setor Solo da SP-Arte 2020, com curadoria de Alexia Tala; evento cancelado por conta da epidemia global do coronavírus. Veja, a seguir, as obras que o integram.

Hy Brazil, 2018
Políptico de 6 impressões em pigmento sobre papel de algodão e metacrilato (37,5 x 60 cm cada)

É o ponto de partida de todo o projeto. A obra é uma colagem digital, feita a partir de capturas de seis telas de computador, exibindo os resultados de uma extensa pesquisa virtual feita sobre Brazil, a ilha. Ela explora as funções de diversas ferramentas digitais (Google Maps, Wikipedia, Photoshop, leitor de PDFs, Bancos de imagens, Youtube etc.) para organizar as diversas narrativas que se entrecruzam pelas telas. A escolha pelo acabamento das impressões em metacrilato se justifica na evocação do aspecto vítreo das telas de computadores, smartphones e tablets, que mediam inevitavelmente nossa relação com a realidade.

Hy Brazil, 2019-2020
Peças em madeira maciça (dimensões variáveis)

Conjunto de 48 recortes em madeira que reproduzem os variados formatos atribuídos à Ilha do Brasil, em mapas dos séculos 14 a 19. Cada cartógrafo redefiniu estes em referência a mapas anteriores, mas também ao incorporar supostas descrições de viajantes, tais como o basco Lope García de Salazar (1399-1476), que a descreve em 1471-6 como sendo “redonda, pequena e plana”. Para além de seu caráter circular, é também constante a ideia de que ela conteria em seu centro uma lagoa, ou seria ainda atravessada por um rio. As diferentes formas foram recortadas em Muirapiranga, madeira que foi muitas vezes confundida com a árvore de coloração avermelhada que deu nome ao nosso país (e talvez à própria ilha). Entre outros nomes populares, como “Conduru de Sangue” e “Pau-Rainha”, essa árvore atende oficialmente por aqui como “Falso Pau-Brasil”.

Hy Brazil, 2019-2020
37 impressões em placas PETG de 0,5mm gravadas a laser (100 x 70 cm cada) 

Conjunto de reproduções em acrílico 0,5 mm de 37 mapas dos séculos 14 a 19 contendo a Ilha do Brasil. De formatos, proveniências e finalidades muito diferentes, estes mapas foram colocados em uma mesma escala, para que fosse possível sobrepor graficamente não apenas diferentes etapas do desenvolvimento da geografia, mas também das próprias convenções cartográficas (desenhos, ilustrações, coordenadas e escalas). Uma série de gravações a laser em formato de X permite observar também, em qualquer um dos mapas, todas as localizações em que a ilha fantasma já foi situada ao longo do tempo, da costa da Irlanda à do Canadá.

Hy Brazil, 2019-2020
Letreiro luminoso em neon (300 x 15 cm)

Reprodução de uma nota manuscrita do cartógrafo inglês Robert Dudley (1574-1649) em sua “Carta Particolare dell Mare di Ierlandia e Parte di Inghilterra e della Iscotia”, em seu atlas Dell’arcano del Mare, de 1646-47. Junto à Ilha do Brasil, que aparece no Atlântico Norte, tomando agora a forma de um atol, ele escreve em italiano arcaico: “I. O Brasil è Isola disabtitata. È incerta secietal isola ò no”. O que poderia ser traduzido (de maneira imprecisa) em português por: “I. Brasil é uma ilha desabitada. É incerto se é amigável ou não”. O neon tem seu esquema de iluminação tradicional invertido, com as letras à frente pintadas de preto, brilhando apenas pelo reflexo na parede.

Hy Brazil, 2019-2020
Tapete em nylon Antron (Poliamida) de 14 e 17mm, base em polipropileno e latéx (260 x 190 cm)

Reprodução de um mapa (perdido) feito em 1474 pelo cartógrafo italiano Paolo Toscanelli (1397-1482), um dos primeiros a utilizar o moderno sistema de coordenadas em latitudes e longitudes. Este teria sido enviado a Cristóvão Colombo junto de uma carta (que sobreviveu) indicando a possibilidade de se chegar às Índias navegando em direção a Oeste. Toscannelli estava ao mesmo tempo certo e errado, pois dizia que a travessia podia ser feita “em alguns poucos dias se o vento estiver favorável”. Sem esse equívoco no cálculo da circunferência da Terra, que fazia supor uma viagem curta, a expedição de Colombo provavelmente jamais teria saído da Europa. Erro que explicaria também por que Colombo morreria acreditando ter chegado nas Índias ao desembarcar no Caribe (mas há inúmeras controvérsias sobre esse ponto: alguns historiadores afirmam que a carta e o mapa seriam apócrifos, e próprio cartógrafo italiano seria um personagem fictício). O tapete traz a reconstituição do suposto mapa de Toscanelli, feita por Konrad Kretschmer (1864-1945). Nele, linhas pretas marcam o visível sistema de coordenadas e a geografia do século 15, enquanto um jogo de alturas diferentes dos fios convida o público a “esbarrar” acidentalmente na América com seus pés.

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