Heleno Bernardi: O Elogio do Fora, por Roberto Corrêa dos Santos - Janaina Torres

São Paulo Brasil

Heleno Bernardi: O Elogio do Fora, por Roberto Corrêa dos Santos

9 de maio de 2017 | 11:10


Heleno Bernardi, Sem título, Acrílica e spray acrílico sobre tela, 140 x 200 cm

Roberto Corrêa dos Santos *

A exposição das obras de Heleno Bernardi que se apresenta na Janaina Torres Galeria (veja aqui), com ênfase em suas pinturas, permite constatar o quanto de pesquisa, de talento e de poder conceitual tem marcado todo o labor desse artista de enorme força; aproximam-se no solo expositivo, como se em uma antologia nascida de recortes especiais, aqueles fazeres-em-arte que têm como um dos vetores norteantes o ver e o pensar e o agir sobre a cidade, indo as obras para além da cidade como ideia geral de cidade de modo a atingir a cidade-ela-mesma e dela obter-se, por ato de recolha múltipla, elementos e sinais de sua pulsão plural e erótica; a cidade afirma-se como terreno corpóreo que nos abriga, nos constitui, encanta, retém, constrange e nos clama a um só instante; no caso das pinturas, retomam-se suas mil imagens e mil cores e mil velocidades visuais como se a tela passasse a constituir-se em uma outra espécie de mapa; traçam-se assim, em telas, acontecimentos provenientes da ordem inteiramente do sensível; diante do impacto audível das telas, podemos quase tocar a grande massa de matérias do mundo-do-fora, ali em diálogo; os abertos conjuntos de camadas e fluxos da cidade agora em camadas e fluxos de tintas atravessam-nos e solicitam que se descubram as maneiras mais argutas de tornar poema a vida humana quando em face da muitas vezes difícil mas incontornável vida do espaço público; por intermédio dessa arte de conversações reflexivas com a cidade estabelecem-se os elos mais imediatos entre as obras, o que bem se constata quando nos confrontamos com a ação denominada Magma (conforme vídeo), em que Heleno Bernardi atua com precisão e afetividade sobre locais em situação de abandono e ruína por motivos tanto de cultura quanto de natureza; e como o faz? tratando-os com a delicadeza de um pincel-máquina-de-colorir-e-exaltar que se debruça, valendo-se da coreografia e do punho do artista, sobre a tela concreta das coisas concretas para assim restaurar-lhes a graça e o brilho a advirem pouco a pouco do ouro constante desse pó metálico de que se fazem todas as espécies cromáticas das purpurinas: uma arte com poder físico a impor energia e combate, e fulgor; do mesmo modo, em semelhantes conversas com o mundo da rua, situam-se as peças atinentes à obra Enquanto falo, as horas passam, composta por certo número de seres-colchões; seres capazes de muitas posturas e de ampla capacidade de convidar os passantes para algum momento de pausa; os objetos de arte-seres-de-colchão falam de sono e de descanso e desconstroem a pressa na cidade, desfazem a fúria do capital insone: são obras amorosas, são obras políticas: obras da pólis.

Todos esses trabalhos de Heleno Bernardi cuidam da potência da arte quando em estado de vida vivenciada, de vida em experimento; todos dedicam-se à potência da arte quando o campo de batalha se faz não apenas no atelier mas também no vasto exterior: o espaço como uma das mais inquietantes questões da arte e do existir; nele, tornam-se indistintos o que é o direto cotidiano e o que é a visita artístico-mental ao cotidiano; a paisagem urbana, dizem as obras, não carece mais (se é que um dia careceu) do estar representada; quando surge em tela ou em ato, a paisagem emerge sob a tópica da abstração que contudo guarda rastros de figuras que não são nem coisas nem gentes; eis, pois, uma firme arte, compreendida como um gesto de site-specific e repleta de vozes, de lugares, de corpos – obras polifônicas, politópicas, policarnais a desenharem na galeria uma poética radical de pacto entre primor e pensamento.

* Professor de Teoria da Arte / Graduação e Pós-graduação do Instituto de Artes UERJ

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