Dona Joana, Mata Machado, 2016, pigmento sobre papel de algodão, 100 x 100 cm

Com curadoria de Diógenes Moura, 15 imagens da série Campos de Altitude, da fotógrafa carioca Kitty Paranaguá, ganharam as paredes do Centro Cultural Justiça Federal (CCJF), como parte do Encontro Internacional de Fotografia do Rio de Janeiro, em maio de 2017. Republicamos a seguir o texto de Diógenes, que busca dar conta da complexidade e do impacto narrativo e simbólico do trabalho de Kitty, que ganha em 2017 repercussão nacional e internacional. As séries Campos de Altitude e Copacabana, de Kitty Paranaguá, estarão expostas na Janaina Torres Galeria, entre 22 de agosto e 30 de setembro de 2017, e na SP-Arte/Foto/2017 entre 23 e 27 de agosto (estande 24).

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Diante do Azul infando

Por Diógenes Moura *

Campos de Altitude – Dona Jura, Morro da Previdência, implosão da perimetral

A cidade à beira mar agoniza. Os habitantes da cidade à beira mar se olham perplexos: o túnel poderá ser invadido a qualquer instante. De três em três balas perdidas um corpo cai. Nem na guerra do Oriente Médio é assim. O sol a pino. O país geme. Copacabana não engana mais ninguém.

Kitty Paranaguá perambula pelas ruas com sua câmera-objeto. Tem medo, mas segue em frente. Fica suspensa dentro do bondinho, sobre o Complexo do Alemão. Vê a cidade de cima para baixo. A tempestade cai. Por dentro de cada uma das casas lá embaixo, penduradas por um fio, estão as vidas com todos os nomes. Nenhuma delas tem certeza se verá a manhã seguinte.

A fotógrafa projeta a cidade verdadeira sobre o rosto e o corpo dos seus verdadeiros habitantes, a vida real. Com um pássaro por dentro da cabeça, vai e volta. Caminha tentando quase não ser vista. E me escreve um email:

“Valeu, Roque, o muque do Pavão. Valeu, Dona Joana, rainha da Mata Machado. Valeu, Mariluce, uma guerreira do Alemão. Valeu, Sr. Moisés, que me emocionou tanto falando da sua vida. Valeu, Dona Jura, com seus quitutes maravilhosos, cozinheira de mão cheia e coração aberto. Valeu, Dona Jovina, que já está nas alturas. Valeu, Gilson, que vive na casa dos relógios, com a sua garra e a vontade de levar o Santa Marta para o mundo. Valeu, Salete, também fazendo um trabalho de troca entre a comunidade e os turistas, com uma vontade grande de expandir o mundo dos moradores do Santa Marta. Valeu, Adriana, com o seu sorriso largo – foi um prazer fazer o retrato que você gostaria de ter. Valeu, Simone e Miguel, por abrir sua casa. Valeu, Dona Antonia, com as histórias do Vidigal. Valeu, Célio, com suas estórias de construtor. Valeu, Diana, Ágata e Júlia, meninas irreverentes e bem-humoradas. Valeu, Silmar, com seus santos e entidades. Valeu, Vicente, com a sua lucidez e suas mãos mágicas para dobrar o ferro”.

Meu Deus, quanta paixão! Somos assim, mesmo diante do dedo no gatilho. Mesmo sabendo que a milícia vai proteger o despacho. O bagulho da gira. Mesmo diante do desvio para a Linha Vermelha.

O corpo treme. Da laje da ex-maravilha dá para avistar o mar e todos os nomes que não sabem se estarão de pé quando o dia amanhecer. O caixa eletrônico explode na Praça Nossa Senhora da Paz. Aqui todos têm nome, sobrenome, desejo, sexo, angústia, sofreguidão, vontade de viver, vontade de comer.

Campos de Altitude é o retrato de uma mulher diante do retrato do “mundo” onde vive, em abismo. E um retrato será sempre um veredito. Fotografia é existência. É sangue e esperança sobre o pôr do sol.

* Diógenes Moura é escritor e Curador de Fotografia

As séries Campos de Altitude e Copacabana, de Kitty Paranaguá, estarão expostas na Janaina Torres Galeria, entre 22 de agosto e 30 de setembro de 2017, e na SP-Arte/Foto/2017 entre 23 e 27 de agosto (estande 24). Confirme sua presença clicando aqui.

Mais sobre Campos de Altitude e Kitty Paranaguá:

Campos de Altitude (página da exposição – Janaina Torres Galeria)

Página da artista: Kitty Paranaguá (Janaina Torres Galeria)

Kitty Paranaguá (site da artista)

Livro Copacabana na Livraria da Travessa (aqui)