B.L.O.C.O.S ou A obra residual de Marcia Thompson, por Saulo di Tarso - Janaina Torres

São Paulo Brasil

B.L.O.C.O.S ou A obra residual de Marcia Thompson, por Saulo di Tarso

7 de julho de 2017 | 17:29

Marcia Thompson, Sem título, Folha de prata, bloco de papel e pregos, 30 x 500 cm

Por Saulo di Tarso *

As artes visuais têm atravessado, no Brasil, um dos seus maiores períodos de silêncio. Em parte, porque artistas e curadores brasileiros das gerações recentes se educaram pelo maneirismo de serem aceitos na cena internacional e, com isso, um corredor de mimeses foi criado na direção da arte conceitual e do minimalismo.

E, em parte, porque a crítica ou anula artistas brasileiros que imitam artistas mais conhecidos do circuito mundial ou, igualmente, um grupo de artistas segue tendências do mercado internacional e, portanto, perde a capacidade de estabelecer um caminho teórico suficiente para potencializar o que alguns artistas brasileiros como Hélio Oiticica, Lygia Clark, os irmãos Campos, Luiz Sacilotto e mais recentemente Cildo Meireles e Adriana Varejão vêm criando na arte brasileira: inserção na arte internacional por relevância de acréscimo no desenvolvimento crucial da arte como linguagem.

O trabalho de Marcia Thompson é um caso de sutileza dentro de muitas questões que passam despercebidas ou são pouco discutidas no horizonte da pintura atual. O que ela faz não é concreto, minimalista, gráfico, escultórico, pictórico e tampouco objetual ou desmaterial (que, como corrente da morte da pintura, valida o Conceitualismo pelo esgotamento da pintura).

Obras como o cubo sem título de 15X15X15 (acima) poderiam ser aproximadas da pintura de Fabio Miguez, assim como suas mini resmas de papel e desenhos de saturação da linha da reta encontram mais pra trás a obra de Mira Schendel. O que a arte concreta discutiu em níveis de realidade concreta ainda pertencia ao espaço plano antes da dimensão nanométrica e o caso de Marcia Thompson já é, em termos de materialidade, um resíduo exposto intuitivamente que aponta para registros de espaço nanométrico.

Como uma das mais perfeitas tecnologias, a pintura ainda tem lugar na era digital.

O conjunto das obras expostas, aparentemente inofensivo, na Galeria Janaina Torres (veja aqui), revela esta característica que é fruto de uma artista cuja acuidade maior é ter encarado a arte de minimização da pintura, transformando simplificação em acúmulo. Digo isto porque a pintura moderna queria reduzir a pintura aos seus elementos sintáticos. E a arte contemporânea pode simplificar a arte, mas lida necessariamente com acúmulo e associatividade, ao invés de criatividade original.

Marcia Thompson, Sem título, óleo sobre tela, 20 x 20 x 20 cm

E é neste acúmulo que está a resposta da arte brasileira na cena contemporânea. Porém, há  décadas, frente à aproximação da arte brasileira e a internacional, estão as más comparações da crítica, que tira a legitimidade de artistas que têm enorme contribuição na arte.

Exemplos? Alguém já fez mais do que uma comparação superficial entre Bridget Riley e Luis Sacilotto ou entre Rothko e Ianelli ou algumas manchas de Barrio e Tàpies? O que distingue realmente um Tobey de um Pollock? É o caso de refletir.

Como bem definiu, aliás, Luiza Duarte, a pintura de Marcia está “no Grau Zero da pintura”.

Resta saber quando a crítica brasileira e os seus poderosos curadores irão se conscientizar do próprio grau zero da crítica, e perceber o rumo da arte brasileira para além de pequenos esquemas institucionais e mercadológicos de inserção menor.

E como essas, muitas reflexões necessitam de mais do que comparações artificiais para por a produção brasileira no devido patamar de inteligência visual.

A matéria da exposição de Marcia Thompson que está na Galeria Janaina Torres, em São Paulo, abre o hiato dessa discussão. Pois a babel imprecisa de suas obras é impregnada de uma contribuição brasileira que, tratando de pintura, começa no bastão de óleo de Iberê Camargo e que na artista, da geração contemporânea do grupo Casa 7, opta pelos planos, reestrutura ideias da linha pelo acúmulo e remonta o corpo triturado da pintura a tudo que o minimalismo filho da arte Moderna parecia ter esgotado em Richard Serra.

Marcia Thompson, Sem título, Tinta óleo, gesso e caixa de acrílico, 35 x 35 x 10 cm

Da mesma forma, o acúmulo sem cor que está na obra de Marcia Thompson, do ponto de vista epistemológico, é o mesmo acúmulo presente na obra de um Paulo Bruscky. E, ao mesmo tempo, Marcia Thompson, sem abraçar o caos, termina a obra fora da obra, diferentemente de Tunga e Nuno Ramos, que apostaram num hiperacúmulo, sem depuração.

A depuração do minimalismo e do Concretismo de linhas retas é talvez o mais interessante no trabalho desta artista, que encontra caminhos não exatamente novos, mas que apontam uma nova direção na pintura abstrata. Marcia sinaliza o fim da abstração pura que está nos exemplos de Fabio Miguez e Paulo Monteiro, porém com a sutileza de um tipo de percepção feminina que é ser escultura quando desenha, arquitetura quando esculpe e escultura quando pinta.

É uma obra que necessita que deixemos o estágio de um olhar semicrítico para a arte brasileira – e pede o exercício de realmente criar novos valores no fazer e colecionar.

Existe aqui uma noção de escola na arte: Marcia Thompson pertence a esse grupo de artistas – os que explicitam uma tradição nova depois do Neoconcretismo.

Sua pintura preconiza o sentido de que, mais do que inovar, é importante respeitar o contato e o ciclo total do que a arte brasileira vem discutindo em décadas, até que surjam novos fenômenos sem o vício da submissão crítica e os maneirismos de imitação das chamadas vanguardas, que ocultam aquilo que importa no fundo: a arte e os avanços que ela cria lentamente em séculos, por meio de artistas que trabalham seriamente a sua vocação, sem ter medo de parecer com artistas basilares de qualquer lugar do espaço e do tempo.

Porque na arte contemporânea, como na arte de qualquer era, tão importante quanto abrir caminhos novos, é aprofundar caminhos que já existem.

* Saulo di Tarso é artista visual e curador.

Saiba mais:

Página da Artista (Janaina Torres Galeria)

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