ArtNexus: Andrey Zignnatto - Janaina Torres

São Paulo Brasil

ArtNexus: Andrey Zignnatto

18 de janeiro de 2020 | 16:01

Andrey Zignnatto, Fenda #2, 2018, Pigmento sobre papel de algodão, 55 x 70 cm

Xenia Bergman *

Desde o final do século passado, a arte não mais opera como uma janela para o mundo ou como reflexão de uma perspectiva emancipatória, mas como estratégia. No mundo contemporâneo, toda obra de arte – seja um objeto individual ou a exibição de um todo unitário – aponta para uma consciência histórica, um campo de batalha onde obras e espectadores são convidados para um jogo (de linguagem) cujas regras correntes, e a maneira em que elas são implementadas, são revisadas antecipadamente. Diante dessa perrrogativa, e entre os muitos receptores da mais recente exposição proposta por Andrey Zignnatto, na Janaina Torres Galeria, podemos nos perguntar: que mecanismos são ativados nessa exibição? Como ser um bom contribuinte?

Zignnatto fez sua estréia uma década atrás, em um contexto de um cenário de arte em São Paulo dominado por juris e circuitos de prêmios. Desde o início de sua carreira artística, seu trabalho apareceu como um ativador do universo do labor: tijolos ordinários ou exóticos, juntas de argamassa, paredes e fragmentos de construção foram utilizados pelo artista em múltiplos gestos, cortados ou reparados. Esse material bruto retirado do dia a dia – paredes, tijolos, fotos de ruínas ou áreas imersas em conflito social, em locais como Peru ou Dubai -, geralmente incorporam ações que funcionam como mensagens poéticas urgentes e elementares. Observadores não necessitam de muita informação para entender esse leitmotiv. A matéria prima já é icônica em si mesma, uma vinheta que aproxima a realidade da ficção, o eu e o outro, então escultura, projeto arquitetônico ou registro fotográfico pode ser compartilhado e recebido com toda sua força expressiva. Dessa maneira, a imagem se torna uma fonte confiável (podemos acreditar nela), nos fazendo cúmplices das suas afirmações, suas razões etimológicas e, em suma, da totalidade do processo artístico contida dentro e fora dela.

(veja obras da exposição Reforma: Canteiro de Obras)

Na série que inspirou o título da exposição, “Uma casa popular – Fração n. 2” (2017-2019), Ziggnatto “reconstrói” partes ou frações da tipologia de casas populares criados or meio do programa “Minha Casa, Minha Vida”. A série inteira será completada em cinco ou seis fases, cada uma mostrada em uma exibição diferente, até que uma casa inteira seja construída. (…) Depois que as paredes são erguidas, elas são parcialmente destruídas para revelar parte da estrutura e e os resíduos de argamassa, para obter o efeito de precaridade da estrutura. Embora o projeto original seja respeitado – pelo respeito à sua distribuição espacial e demais proporções – o artista sublinha um senso de fragmentação e dúvida, ao nos confrontar com a natureza frágil da peça.

Andrey Zignnatto, Uma casa popular – Fração nº 2, 2019; tijolo baiano, concreto e ferro vergalhão; dimensões variáveis

A arquitetura precária e sua deterioração  serve de contexto para a série de fotografias “Fenda (Huachipa)” (2018). Criada em Huachipa, no Peru, a série é uma espécie de site arqueológico como as muitas ruínas da cultura Inca que ainda remanescem na região. Ali, Zignnatto reuniu tijolos suficientes para “remendar” as paredes. Tal era o estágio de negligência que não apenas foi possível para coloca-las novamente juntas, mas de realocá-las no seu “local original”.

Exemplos como o do Peru são repetidos nos Emirados Árabes Unidos. Claramente, um dos aspectos mais importantes do trabalho de Zignnatto é evocar uma variedade de culturas. Não satisfeito em refletir exclusivamente sobre o universo do seu país, diferentemente de muitos de seus contemporâneos ele viajou para lugares notadamente marginalizados, seja por uma história de colonização, seja por circunstâncias sociopolíticas. As viagens são consequência de uma atividade paralela: a participação em projetos humanitários internacionais de prestígio como professor voluntário em comunidades afetadas pela pobreza extrema ou localizadas em zonas de guerra.

Com esse objetivo em mente, ele viajou recentemente ao Quatar, Sharjah, Dubai e Arábia Saudita. Como fruto dessas viagens, ele produziu as séries “Tapete de Oração” (2018), que compôs a exibição na Janaina Torres Galeria, e “Massa Preta” (2018), apresentada no Sharjah Art Museum. Ambas as séries são uma forma de protesto contra as condições escravizantes dos trabalhadores da construção civil nesses países, onde, aliás, o luxo arquitetônico é uma das maiores atrações de venda do turismo. As séries aludem, como o nome indica, à oração. É uma tradição praticada por todos, da pessoa mais pobre aos que estão no topo da escala econômica. A peça se apropria de sacos de cimento descartados e coloca sobre eles padrões de design retirados de tapetes originais. O resultado é uma combinação de opostos e a ação de alto risco de danificar objetos religiosos. A escuridão é apresentada por meio da série “Massa Preta”, que consiste em cortinas feitas de tiras – criadas a partir de um material baseado em asfalto – dispostas em um cubículo. Ao adentrar o espaço, os visitantes se deparam com a ausência total de luz. As cortinas se tornam um signo residual, assim como um alerta.

Andrey Zignnatto, Tapete de Orações #1, 2019, saco de cimento de papel, tapeçaria; 146 x 100 cm

Manifestações como as de Zignnatto não podem ser consideradas apenas experiências estéticas ou interpretadas, como muitas propostas contemporâneas como polidas, finalizadas, ou essências absorvidas automaticamente. Como uma cobra, a arte deixou para trás sua pele velha e hoje, mais do que nunca, essa espécie de natureza ambígua propicia uma dinâmica com conotações estéticas marcadas. Ela traz consigo as rachaduras e a fragilidade presente em todo projeto utópico. Uma vez que os níveis de ceticismo que prevalecem hoje sejam reajustados, o artista retorna como um proponente de micro-utopias e ações que são viáveis para si, respondendo a uma negatividade extrema com fértil recomeço.

* Matéria escrita por ocasião da exposição individual “Reforma: Canteiro de Obras”, exibida pela Janaina Torres Galeria (2019), publicada originalmente na edição 113 da revista ArtNexus. www.artnexus.com

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